Um amplo estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, encerra um dos maiores debates da medicina moderna: os antidepressivos realmente funcionam? Os pesquisadores analisaram 21 medicamentos comerciais, usados em 522 testes clínicos controlados, envolvendo um total de 116.477 participantes. Os resultados revelam que todos se mostraram mais efetivos que os placebos para tratamentos de curto prazo de depressão aguda em adultos, mas com diferentes níveis de ação.
— Nosso estudo reúne as melhores evidências disponíveis para informar e guiar médicos e pacientes em suas decisões sobre tratamentos — afirmou Andrea Cipriani, líder da pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista “Lancet”. — Nossas descobertas são relevantes para adultos experimentando o primeiro ou o segundo episódio de depressão.
De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde, mais de 300 milhões de pessoas de todas as idades sofrem de depressão no mundo, sendo a doença a principal causa de incapacidade para o trabalho. Apenas nos EUA, as perdas econômicas anuais são estimadas em US$ 210 bilhões. Estatisticamente, a condição afeta mais as mulheres que os homens. Dependendo da intensidade, a depressão pode provocar sofrimento intenso e, em casos extremos, levar ao suicídio.
Existem tratamentos medicamentosos e não-medicamentosos, mas muitas vezes, por falta de recursos, o uso de antidepressivos é mais frequente do que as intervenções psicoterapêuticas. Entretanto, o debate sobre a sua eficácia persiste. Para encerrar a discussão, Cipriani e seus colegas identificaram todos os estudos randomizados controlados comparando antidepressivos com placebos ou outros antidepressivos, para o tratamento da depressão aguda em adultos com 18 anos ou mais. Eles ainda contataram companhias farmacêuticas, outros pesquisadores e agências reguladoras para complementar as pesquisas originais ou coletar dados não publicados.
522 estudos encontrados, desde 1979
Ao todo, foram encontrados 522 estudos do tipo, realizados entre 1979 e 2016, comparando 21 antidepressivos ou placebos, na maior meta-análise já realizada na psiquiatria. Dos participantes, 87.052 foram selecionados aleatoriamente para receber uma droga e 29.425 tomaram placebos. A maioria dos pacientes tinha depressão de moderada a severa. Os pesquisadores mediram a eficácia — número de pacientes que responderam ao tratamento com redução dos sintomas em pelo menos 50%, ao longo de oito semanas — e aceitabilidade — proporção de pacientes que abandonaram o estudo por qualquer razão antes das oito semanas.
— Antidepressivos são usados rotineiramente em todo o mundo, apesar de ainda restar debate considerável sobre sua eficácia e tolerância — comentou o professor John Ioannidis, coautor do estudo. — Por reunir dados publicados e não publicados de mais de 500 testes randomizados controlados, este estudo representa a melhor evidência disponível para guiar a escolha de tratamentos farmacológicos.
Efeitos das drogas foram variados
Todos os 21 antidepressivos se mostraram mais efetivos que os placebos, e apenas um teve menor aceitabilidade. Mas os efeitos das drogas foram variados. No quesito eficácia, os que alcançaram melhores performances foram a amitriptilina, mirtazapina, duloxetina, venlafaxine e paroxetina. Na outra ponta, os menos efetivos foram fluoxetina, citalopram, trazodona, clomipramina, desvenlafaxina e reboxetina.
Em termos de aceitabilidade, agomelatina, citalopram, fluoxetina, sertralina e vortioxetina se mostraram as mais toleráveis, enquanto amitriptilina, clomipramina, duloxetina, fluvoxamina, reboxetina, trazodona e venlafaxina registraram os maiores índices de abandono.
O Prozac, o mais conhecido dos antidepressivos, teve a patente vencida no início do século e é comercializado pelo nome genérico de fluoxetina. No estudo, ele se mostrou um dos menos eficientes, mas com boa aceitação.
— Isso desafia a visão de que todos os antidepressivos são mais ou menos igualmente efetivos — apontou Anthony Cleare, professor de psicofarmacologia da King’s College London, não participante do estudo. — A decisão de prescrever um antidepressivo deve ser sempre tomada em conjunto por médicos e pacientes. Por clarear quais antidepressivos são mais eficientes e quais são mais fáceis de tomar, este novo trabalho ajuda na tomada desses decisões.
Antidepressivos não podem ser sempre a primeira linha de tratamento
Para Carmine Pariante, porta-voz da Royal College of Psychiatrists do Reino Unido, a meta-análise “põe fim à controvérsia sobre os antidepressivos, mostrando claramente que essas drogas funcionam na melhoria do humor, ajudando a maioria das pessoas com depressão”.
— É claro que esse tipo de estudo não pode avaliar diferenças individuais, então não pode nos informar sobre características pessoais que tornam um indivíduo mais propenso a uma ou outra medicação — analisou a especialista. — Na verdade, nós ainda precisamos entender por que alguns antidepressivos funcionam melhor que outros, mesmo entre classes de drogas que supostamente têm as mesmas ações farmacológicas.
Apesar de o estudo ter mostrado a eficácia dos antidepressivos, Cipriani destaca que os tratamentos farmacológicos não devem ser a primeira opção para lidar com a depressão.
— Os antidepressivos podem ser uma ferramenta efetiva para tratar a maioria das depressões, mas isso não significa necessariamente que os antidepressivos devem ser sempre a primeira linha de tratamento. A medicação deve ser sempre considerada ao lado de outras opções, como as terapias psicológicas, quando disponíveis — alertou o pesquisador. — Os pacientes devem ser informados sobre os benefícios em potencial dos antidepressivos e sempre conversar com médicos sobre o tratamento mais indicado.